sexta-feira, 17 de agosto de 2012

CONTO DO PORCO BISPO. Versão n.º 5 (Meirinhos. Mogadouro)

«Certo dia, um caçador foi à caça e comeu a merenda numa fraga, onde ficaram caídas umas migalhas de pão. Veio um porco bispo, pousou na fraga e pôs-se a comer as migalhas.
No fim, 
como papo cheio, sentindo-se reconfortado e valente, deitou-se de costas na fraga com as pernitas esticadas para o ar, e começou a gritar:

- Meu Senhor Jesus Cristo
Deitai o céu abaixo
Que eu pego nele com as minhas pernas.

A melra, quando tal ouviu, aflita, com medo que o céu desabasse, imediatamente rogou em contradita:

- Meu Deus não faças isso,
Que é poco bispo,
E não tem pernas p’ra isso.

Ao que o porco bispo, arrenegado, ripostou:~

- Melra cachelra,
Pica na merda,
Quem te mandou a ti responder?»

Versão recolhida em Meirinhos por J. R. dos Santos Junior, 1975, “O Pisco Erithacus Rubecula, numa festa popular de exuberante simbolismo”, in Anuário Brigantino, 2001, n.º 24, pp. 1163-1171. O texto pode ser lido em http://www.ardeola.org/files/1113.pdf(consultado em 17/08/2012).

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

REGRAS DE LA COMISSON OURGANIZADORA

I – Cumposiçon
1. Haberá al menos un membro de la Comisson Ourganizadora an cada tierra/ária adonde se anscríban cuntadores
2. Cada membro de la Comisson Ourganizadora será repunsable por un cierto númaro de cuntadores: falando cun eilhes, splicando-le la eideia i tratando de ls problemas que ponga la sue zlocaçon i l cuntar la(s) cuonta(s).
3. Ls membros de la
 Comisson Ourganizadora dében de tener las cundiçones para cumprir cun las regras que eiqui quédan i seran scolhidos pul secretariado. Tamien puode haber membros de la Comisson Ourganizadora que se ouferéçan, mas l secretariado tem de cunfirmar se oubedécen a las regras stabelecidas.

II - Funcionamiento
1. Ls membros de la Comisson Ourganizadora stabelécen ou ajúdan a stabelecer l cuntato cul secretariado.
L cuntato faç se pa la páigina de l Facebook de MERLA CACHELRA, pa l blogue de MELRA CACHELRA ou pa l email melracachelra@gmail.com. Quien se quejir anscrebir cumo cuntador puode fazé-lo para estas moradas, seia diretamente seia por antermeio de l membro de la Comisson Ourganizadora de la sue tierra/ária.
2. Cada membro de la Comisson Ourganizadora debe de saber quanto tiempo bai a gastar cada cuntador a la sue repunsablidade i l nome de las cuontas que ban a ser cuntadas.
3. L membro de la Comisson Ourganizadora abisa l secretariado, l mais cedo possible, l mais tardar até la fin de júnio, de que un cierto cuntador nun se puode zlocar, para que el i la(s) sue(s) cuonta(s) puodan ser grabados i apersentados an bídeo.
4. Nun hai lhemite pa l númaro de cuontas de cada cuntador. Mais tarde l Secretariado poderá tener que stabelecer restriçones se l númaro de anscrebidos arrepassar l tiempo çponible.




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REGRAS DA COMISSÃO ORGANIZADORA

I – Composição
1. Haverá pelo menos um membro da Comissão Organizadora em cada povoação/área onde se inscrevam contadores
2. Cada membro da Comissão Organizadora será responsável por um certo número de contadores: falando com eles, explicando-lhes a ideia e tratando dos problemas colocados pela sua deslocação e pelo contar o(s) conto(s).
3. Os membros da Comissão O
rganizadora devem possuir as condições para cumprir com as regras que aqui ficam e serão escolhidos pelo secretariado. Também pode haver membros da Comissão Organizadora que se ofereçam, mas o secretariado deve confirmar que obedecem às regras estabelecidas.

II - Funcionamento
1. Os membros da Comissão Organizadora estabelecem ou ajudam a estabelecer o contacto com o secretariado.
O contacto faz-se para a página do Facebook de MERLA CACHELRA, para o blogue de MELRA CACHELRA ou para o email melracachelra@gmail.com. Quem se quiser inscrever como contador pode fazê-lo para estas moradas, seja directamente seja por intermédio do membro da Comissão Organizadora da sua povoação/área.
2. Cada membro da Comissão Organizadora deve saber quanto tempo gastará cada contador à sua responsabilidade e o nome dos contos que vão ser contados.
3. O membro da Comissão Organizadora avisa o secretariado, o mais cedo possível, o mais tardar até ao fim de junho de 2013, de que um determinado contador não se pode deslocar, para que o(s) seu(s) conto(s) possa(m) ser gravado(s) e apresentados em vídeo.
4. Não há limite para o número de contos de cada contador. Mais tarde l Secretariado poderá ter de estabelecer restrições se l número inscritos ultrapassar o tempo disponível.

O Secretariado do 1.º Melra Cachelra
UN DITO DEZIDEIRO MIRANDÉS

Talbeç muita giente nun l conheça, mas ye eiqui i agora l sítio cierto para falar del:
ANTRADAS DE LHION, SALIDAS DE PUORCO BISPO

Este dito ye l correspundiente de l pertués «Entradas de leão, saídas de sendeiro», l que ye amentado pul Abade de Baçal, na bersion de la cuonta que acabemos de publicar. 
La splicaçon de l dito dezideiro ye mui simples i antende-se bien po
r quien lir las cuontas que tenemos benido a publicar: l puorco bispo arma-se an tan baliente que até quier aguantar cun l cielo nas sues paticas; mas quando las cousas ampéçan a quedar cumplicadas, cumo tal se sinte que ben ende ua troniada, lhougo l puorco bispo dá l dito por nun dito i s'ancuolhe.
Solo coincemos este dito dezideiro na Tierra de Miranda i an fala mirandesa, mas se alguien l conhece de outros cuntestos, serie antressante que eiqui deixasse nota, puis era seinha de que l dito acumpanhaba la giografie de la cuonta.
Este dito amostra que la cuonta serie, an tiempos, mui popular por estas paraijes, a puntos de dar ourige a un dito dezideiro.
CONTO DO PORCO BISPO – Versão n.º 4 (Abade de Baçal)

«O pisco caracteriza-se por um pio triste, sem sonoridade que parece dizer 'tziu' e pelo seguinte gesto: depois de farto voa para cima de uma pedra pouco elevada, ergue a cabecita, fita o firmamento com ares senhoris, eriça as plumas como os caninos os pêlos do lombo, quando querem acometer, encolhe-se como os gatos para melhor formarem o salto
, distende-se rapidamente e esboça gesto de se atirar para o espaço, mas fica-se, nem sequer levanta os pés, recai na momice típica e contenta-se com soltar o seu 'zio', ainda mais tristonho por lhe ter suprimido o 't'!
O povo, para explicar estas modalidades inculcadoras de 'entradas de leão' degeneradas em 'saídas de sendeiro', diz que o pisco ouviu já ao longe, muito longe, o som do trovão e, ufano, subiu à pedra, gritando a Deus que era capaz de pegar no céu se o quisesse deitar abaixo. Tendo, porém, restalado a tempestade sobre a sua cabeça, encolheu-se e suplicou aterrado:
Senhor, tende misericórdia!
Não façais caso do que diz o pisco;
Tem as pernicas mui delgadas,
Quebram como se fossem de cisco.»

Abade de Baçal, Memórias Histórico-Arqueológicas do Distrito de Bragança, tomo XI, pp. 286-288
CONTO DO PORCO PISCO - versão n.º 3 [Versão n.º 1 - Fracisco Niebro - Sendim (Miranda); versão n.º 2 - Teresa Barreira - Lombada (Bragança)]

Versão de Grijó de Parada - Macedo de Cavaleiros (A.M.Pires Cabral, 2012), publicada na revista Te
llus, 56, p.65. (http://www.cm-vilareal.pt/gremio/images/publicacoes/tellus_56.pdf)

PORCO. Pisco: Pequena ave migratória, o mesmo que pisco simplesmente (Erithacus rubecula). Sobre esta avezinha conta-se em Grijó, M. Cavaleiros, a seguinte história: Uma vez andava o porco-pisco a banhar-se na ribeira. A certa altura virou-se de pernas para o ar e com a euforia derivada do prazer do banho, saiu-lhe esta bazófia: ‘Se agora o céu caísse abaixo, eu era capaz de o aguentar nas minhas pernas!’ Naquele preciso instante ouviu-se um trovão. Assustado, julgando que era um castigo divino pela sua bravata, diz o porco-pisco muito depressa: ‘Ó meu divino Senhor, num bos fintedes (não vos finteis) no porco-pisco, que num tem perninhas para isso.’

Deixa-se aqui nota do contexto em que esta publicação é feita:
"No âmbito do Ciclo ‘Fala Churra’, que o Grémio Literário Vila-Realense vem realizando desde 2010, teve lugar em 10 de Novembro uma sessão com o título “Histórias que as palavras contam”, em que se coligiram mais de três dúzias de verbetes, reflectindo muitos deles o espírito de humor das gentes trasmontanas e alto-durienses. Aí os deixamos, por nos parecer interessante a sua divulgação e para prazer do Leitor amante da sabedoria, da cultura, do humor e da linguagem popular."

domingo, 12 de agosto de 2012

O PORCO PISCO E A MELRA [Lombada, Bragança]

[Aqui deixo uma nova versão do conto "O Porco Pisco e a Melra", relatada em comentário por Maria Teresa Barreira, para que melhor possa ser lida por todos e para que sirva como incentivo para que novas versões do conto popular aqui cheguem e sejam publicadas, e assim possamos desenhar a sua geografia.
Como pode ler-se, nesta versão é a melra quem reza p
ara que Nosso Senhor deite o mundo abaixo, enquanto noutros casos essa provocação é lançada pelo próprio porco pisco.]

«A melra muito experta olhava para o céu e implorava:
- Nosso Senhor Jesus Cristo deitai o mundo abaixo que as patas do porco pisco podem com tudo isto.
O pobre pisquinho, descoroçoado, implorava:
- Nosso Senhor Jesus Cristo nao deiteis o mundo abaixo, que as pernas do porco pisco nao podem com nada disto, pois tinha a noção das suas capacidades.
Esta e outras historias eram me narradas pelos meus Avós, tios-avós e tias na minha infância, no verão nas noites de luar e nos rigorosos invernos à lareira.
Parabéns pela iniciativa da divulgação da nossa cultura regional muitas felicidades.»

Maria Teresa Barreira [Laviados / Vila Meã, na região da Lombada, Bragança]
[Aqui fica a tradução do conto que inspirou o nome do 1.º Encontro de Contos e Contadores do Planalto Mirandês (2013). A ideia foi de José Pedro Bandarra, e sobre esse conto e os rituais célticos a eles ligados muito ainda aqui se falará]

O RABO-RUIVO E A MELRA

A erva do prado estava seca como acendalhas. As vacas, enquanto ruminavam à sombra dos freixos, abrigadas do calor intenso do sol, mugia
m de vez em quando, como que a queixarem-se de um alimento tão fraco.
Pela tarde, o céu tinha-se coberto de nuvens, tapando tudo como um manto escuro, ameaçando chover. O tempo quente e húmido punha as coisas a respirar para dentro. O canto das cigarras era tão forte que atordoava.
No meio do prado, uma melra estava alheia a tudo, entretida a esgaravatar num monte de bosta à procura de bichinhos. De vez em quando, levantava o pescoço, apontando o bico para o céu para saborear melhor e, muito viva, rodava os olhinhos, não viesse alguém roubar-lhe a bosta.
Nisto, sentiu um passarinho esvoaçar ao pé dela. Era um rabo-ruivo que voava de um freixo para outro. Mal pousava num raminho, punha-se com uns pios nervosos, como se estivesse aborrecido. Mas logo depois voava para outro ramo, continuando com a cantoria.
A melra não lhe retorquia nem ai nem ui. Não lhe ligando nenhuma, continuava o seu almoço. Então, o rabo-ruivo pôs-se mesmo ao pé dela, em cima de um montinho de terra, dos que fazem as toupeiras. Pôs-se muito empertigado, como se quisesse meter medo à melra, dizendo com uma vozinha de cana rachada e meio às avessas, pois não falava bem nem português nem mirandês:
- Ah Deus, deixai caier o céu que eu aguanto-lo cun as minhas paticas fortes!
A melra olhou para o rabo-ruivo com uns olhos faiscantes, pois nem queria acreditar no que estava a ouvir. Mas o rabo-ruivo, que já se tinha posto a salvo no cimo de um freixo, não se calava com a mesma cantiga.
A melra, vendo o céu muito escuro e as nuvens a dar cambalhotas umas por cima das outras, ficou cheia de medo. Voltando o bico para o céu, pediu como se rezasse:
- Oh Deus, não ligueis ao rabo-ruivo, que ele tem umas patinhas tão fininhas, que, se o céu cair, o mundo acaba!
Depois, foi atrás do rabo-ruivo e enxotou-o. Mas o passarinho voltou. Pôs-se ao pé de uma vaca que os ouvia como se nada fosse com ela e chamou à melra todos os nomes que lhe vieram à cabeça. Chegando-se mais para ao pé da melra, o rabo-ruivo disse, em jeito de desafio:
- Melra cachelra, debica lá as tuas bostas, que te importa que o mundo te desabe nas costas?
A melra foi outra vez atrás do rabo-ruivo e afugentou-o. Mas ficou tão desconfiada que, a cada bocadinho, olhava para o céu para ver se estava a cair. A partir daquele momento já não conseguiu comer em paz.
Uma vaca, que ouviu a conversa, parou de ruminar e disse à melra:
- Deixa o rabo-ruivo em paz. Quem, como tu, passa a vida a esgaravatar na porcaria, nunca será capaz de entender quem olha para o céu, nem que seja para dizer tolices.

Fracisco Niebro (2001) “Las Cuntas de tiu Jouquin”, ed. Campo das Letras, Porto.
Tradução para português de José Pedro Cardona Ferreira