domingo, 12 de agosto de 2012

[Aqui fica a tradução do conto que inspirou o nome do 1.º Encontro de Contos e Contadores do Planalto Mirandês (2013). A ideia foi de José Pedro Bandarra, e sobre esse conto e os rituais célticos a eles ligados muito ainda aqui se falará]

O RABO-RUIVO E A MELRA

A erva do prado estava seca como acendalhas. As vacas, enquanto ruminavam à sombra dos freixos, abrigadas do calor intenso do sol, mugia
m de vez em quando, como que a queixarem-se de um alimento tão fraco.
Pela tarde, o céu tinha-se coberto de nuvens, tapando tudo como um manto escuro, ameaçando chover. O tempo quente e húmido punha as coisas a respirar para dentro. O canto das cigarras era tão forte que atordoava.
No meio do prado, uma melra estava alheia a tudo, entretida a esgaravatar num monte de bosta à procura de bichinhos. De vez em quando, levantava o pescoço, apontando o bico para o céu para saborear melhor e, muito viva, rodava os olhinhos, não viesse alguém roubar-lhe a bosta.
Nisto, sentiu um passarinho esvoaçar ao pé dela. Era um rabo-ruivo que voava de um freixo para outro. Mal pousava num raminho, punha-se com uns pios nervosos, como se estivesse aborrecido. Mas logo depois voava para outro ramo, continuando com a cantoria.
A melra não lhe retorquia nem ai nem ui. Não lhe ligando nenhuma, continuava o seu almoço. Então, o rabo-ruivo pôs-se mesmo ao pé dela, em cima de um montinho de terra, dos que fazem as toupeiras. Pôs-se muito empertigado, como se quisesse meter medo à melra, dizendo com uma vozinha de cana rachada e meio às avessas, pois não falava bem nem português nem mirandês:
- Ah Deus, deixai caier o céu que eu aguanto-lo cun as minhas paticas fortes!
A melra olhou para o rabo-ruivo com uns olhos faiscantes, pois nem queria acreditar no que estava a ouvir. Mas o rabo-ruivo, que já se tinha posto a salvo no cimo de um freixo, não se calava com a mesma cantiga.
A melra, vendo o céu muito escuro e as nuvens a dar cambalhotas umas por cima das outras, ficou cheia de medo. Voltando o bico para o céu, pediu como se rezasse:
- Oh Deus, não ligueis ao rabo-ruivo, que ele tem umas patinhas tão fininhas, que, se o céu cair, o mundo acaba!
Depois, foi atrás do rabo-ruivo e enxotou-o. Mas o passarinho voltou. Pôs-se ao pé de uma vaca que os ouvia como se nada fosse com ela e chamou à melra todos os nomes que lhe vieram à cabeça. Chegando-se mais para ao pé da melra, o rabo-ruivo disse, em jeito de desafio:
- Melra cachelra, debica lá as tuas bostas, que te importa que o mundo te desabe nas costas?
A melra foi outra vez atrás do rabo-ruivo e afugentou-o. Mas ficou tão desconfiada que, a cada bocadinho, olhava para o céu para ver se estava a cair. A partir daquele momento já não conseguiu comer em paz.
Uma vaca, que ouviu a conversa, parou de ruminar e disse à melra:
- Deixa o rabo-ruivo em paz. Quem, como tu, passa a vida a esgaravatar na porcaria, nunca será capaz de entender quem olha para o céu, nem que seja para dizer tolices.

Fracisco Niebro (2001) “Las Cuntas de tiu Jouquin”, ed. Campo das Letras, Porto.
Tradução para português de José Pedro Cardona Ferreira

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